quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

MERITOCRACIA: PARA QUE SERVE?

 Texto: Professor Luciano



A questão da meritocracia é complexa e desafiadora em uma sociedade que não oferece condições equitativas para todos os seus cidadãos, caso da sociedade brasileira. 

É natural que pensemos no vencedor como o melhor,como aquele que mais se esforçou, que tem mais competência. Mas será essa a realidade? Será mesmo que no Brasil, por exemplo,o sucesso profissional é fruto  exclusivo do mérito individual?

Lembremos que em nosso país,1% mais rico da população ganha em média 34 vezes mais que os 50% mais pobres; que dos 10%  mais pobres da população, 75% são negros; que apenas 7,5% dos cargos de chefia nas empresas brasileiras são ocupados por mulheres brancas.

Faz-se necessário reforçar o mecanismo de políticas afirmativas como as de cotas raciais, por exemplo. Isso não significa eliminar o mérito como critério de avaliação, mas de dar instrumentos para que as condições desta avaliação sejam iguais para todos. Que o melhor continue vencendo, mas com condições similares para construir esse desempenho melhor.

Na escola, a meritocracia da forma como está hoje,  medir estudantes e estimular a competitividade reforçam as desigualdades sociais. Este processo segrega, separa e divide aqueles que pela desigualdade social já são divididos.

Cabe ao Estado construir ações efetivas e conduzir o processo de inclusão de forma equânime. Além disso, é necessário investir em ações que conduzam os indivíduos para o altruísmo, a honestidade, a compaixão etc.,valores que estão se esvaindo.

A desigualdade está por toda parte, precisamos incentivar relações humanas onde o ter não seja mais importante que o ser,onde as diferenças individuais sejam meios de completar o todo social e que o mérito seja percebido a partir de um ponto de partida onde todos tenham as mesmas condições  de competir.



segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A perigosa emergência dos “regimes híbridos”

 

OUTRAS PALAVRAS – DIREITA ASSANHADA

por 

Na guerra fria contra a China e no ressurgimento da ultradireita estão chaves da lógica atual de dominação capitalista. Ela mantém o discurso da democracia e dos direitos humanos – para desclassificar como sub-humanos os divergentes…

 

 

Na crônica anterior comecei a analisar a crescente prevalência e maior visibilidade do poder cru em relação ao poder cozido tendo-me centrado numa das manifestações deste fenômeno,da vitória sobre o adversário ao extermínio do inimigo.

Continuo agora a análise, centrando-me na segunda manifestação, a hiper-discrepância entre princípios e práticas.

 

A hiper-discrepância entre princípios e práticas

A discrepância entre princípios e práticas é talvez a maior especificidade da modernidade ocidental.

  • Qualquer que seja o tipo de relações de poder (capitalismo, colonialismo e patriarcado) e os campos do seu exercício (político, jurídico, econômico, social, religioso, cultural, interpessoal),
  • a proclamação dos princípios e dos valores universais tende a estar em contradição com as práticas concretas do exercício do poder por parte de quem o detém.

O que neste domínio é ainda mais específico da modernidade ocidental é o fato de essa contradição passar despercebida na opinião pública e ser mesmo considerada como não existente.

Domenico Losurdo lembra-nos que os primeiros presidentes dos EUA, e nomeadamente os grandes ideólogos e protagonistas da revolução norte-americana (George Washington, Thomas Jefferson e James Madison), eram donos de escravos.

Na lógica do liberalismo não havia contradição alguma.

  • Os princípios universais da liberdade, igualdade e fraternidade eram aplicáveis a todos os seres humanos e só a eles.
  • Ora os escravos eram mercadorias, seres sub-humanos.

Contradição existiria se a eles fossem aplicados os princípios apenas aplicáveis aos seres plenamente humanos.

Este mecanismo de supressão das contradições reside no que designo por

  • linha abissal, uma linha radical que desde o século XVI divide a humanidade em dois grupos:
  • os plenamente humanos e os sub-humanos,
  • sendo estes últimos o conjunto dos corpos colonizados, racializados e sexualizados.

Se é verdade que a contradição entre princípios e práticas sempre existiu, ela é hoje mais evidente do que nunca.

Saliento quatro áreas em particular:

  • o Ocidente na nova guerra fria;
  • o crescimento global da extrema-direita;
  • a luta contra a corrupção;
  • a captura de bens públicos, comuns ou globais por atores privados.

Nesta crônica refiro as duas primeiras.

 

O Ocidente na nova guerra fria

As potências rivais na nova guerra fria são os EUA e a China, sendo que cada um deles conta com um aliado de peso, a União Europeia, no caso dos EUA, e a Rússia, no caso da China.

Tenho defendido que a rivalidade real é entre duas economias-mundo profundamente interligadas, mas com interesses de curto e médio prazos opostos:

  • a economia-mundo do capitalismo das empresas multinacionais promovida pelos EUA
  • e a economia-mundo do capitalismo de Estado promovida pela China.

Como se sabe, não é assim que a rivalidade se apresenta na opinião pública internacional controlada ou influenciada pelos EUA.

A rivalidade é apresentada como ocorrendo

  • entre regimes democráticos e regimes autoritários,
  • entre a superioridade moral dos valores cristãos ocidentais do individualismo, da tolerância, da liberdade e da diversidade e os extremismos religiosos e ideológicos do Oriente.

Esta formulação não deixa de ser intrigante.

  • Ao longo de muitos séculos, os impérios ocidentais justificaram-se com valores universais que idealmente poderiam e deveriam ser adotados por todos os países do mundo.
  • O império norte-americano foi o que levou mais longe este expansionismo ideológico através do conceito de globalização e da doutrina do neoliberalismo.
  • Esse expansionismo foi em boa parte responsável pela rápida integração da China na economia mundial e nas organizações internacionais.

Basta recordar a deslocalização de boa parte da produção industrial dos EUA para a China nos últimos trinta anos.

A lógica era, pois, a da construção de um mundo globalizado, integrado no capitalismo multinacional e servido pelo capitalismo financeiro global ciosamente controlado por empresas norte-americanas.

Houve, sem dúvida, vozes discordantes, como a de Samuel Huntington no seu livro de 1996 sobre o choque das civilizações,

  • em que se chamava a atenção para a futura ameaça de conflitos religiosos entre o judaísmo e o cristianismo, por um lado,
  • e o islamismo, o budismo e o hinduísmo, por outro,
  • e para a entrada em ação de atores não estatais.

Esta tese

  • só veio a adquirir maior aceitação depois do ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque em 11 de setembro de 2001,
  • mas não alterou em nada a cooperação econômica com a China que continuou a aprofundar-se e a diversificar-se.

Só em tempos recentes é que a China começou a surgir como o grande inimigo a abater ou a neutralizar.

A contradição reside

  • entre o expansionismo globalizador das ideias no período ascendente do império norte-americano e a defesa do excepcionalismo ocidental, da especificidade ética do Ocidente
  • contra um Oriente ameaçador.

O paradoxo pode formular-se assim: 

  • a hegemonia ocidental consistiu em levar a globalização e o capitalismo a todo o mundo como prova da superioridade do Ocidente.
  • E agora, que países não ocidentais adotaram a globalização e a promoveram segundo os seus próprios interesses,
  • o Ocidente recua no seu impulso globalizante e entrincheira-se na defesa de uma especificidade ético-religiosa
  • que mal disfarça a constatação de ter sido ultrapassado pelos países que seguiram com êxito a sua receita.

O Ocidente globalizado defende-se agora enquanto Ocidente localizado, o que não deixa de ser uma prova de declínio à luz dos critérios que o próprio Ocidente impôs ao mundo a partir do século XVI.

Lembremos que

  • os povos indígenas da América Latina, ao defenderem os seus territórios e as suas riquezas contra os colonizadores,
  • eram considerados pelo grande internacionalista espanhol do século XVI, Francisco de Vitória, como violadores do direito humano universal do livre comércio.

 

O crescimento global da extrema-direita

Esta contradição entre princípios e práticas – o sempre presente expediente de adaptar os princípios ao que é considerado mais conveniente ou útil pelas necessidades práticas do momento – tem na extrema-direita uma formulação particular.

Tenha-se em mente que o crescimento da extrema-direita, apesar de ser um movimento global, assume especificidades muito acentuadas em diferentes contextos e países.

Penso, no entanto, que os seguintes traços são bastante comuns.

* Por um lado,

  • parece levar a contradição ao extremo ao defender no plano econômico o mais extremo individualismo neoliberal,
  • enquanto no plano político, social e comportamental impõe um moralismo e um autoritarismo que mal se coadunam com a autonomia individualista.

* Por outro lado,

  • detona a própria contradição entre princípios e práticas
  • e justifica o poder cru das práticas ao demonizar os próprios princípios universais.

É nesta última dimensão que a extrema-direita se afirma como corrente reacionária e não simplesmente conservadora.

É que

* enquanto os conservadores defendem os princípios do Iluminismo na formulação que lhes deu a Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), ainda que privilegiem o princípio da liberdade,

* os reacionários da extrema-direita recusam esses princípios e coerentemente

  • defendem o colonialismo, a inferioridade de negros, indígenas, mulheres e ciganos;
  • justificam o trabalho análogo ao trabalho escravo;
  • recusam ver nos povos indígenas e afrodescendentes outra coisa que não comunidades de sub-humanos a ser assimilados ou eliminados;
  • boicotam a democracia inclusiva e pretendem instaurar ditaduras ou, quando muito, democracias que se restrinjam a “nós” e imponham a servidão aos “outros”;
  • recusam a ideia do monopólio da violência legítima por parte do Estado e promovem a distribuição e venda de armas à população civil.

À luz do que referi atrás, não surpreende, embora nem por isso seja menos perturbador, que uma das principais centrais de difusão da ideologia de extrema-direita esteja sediada nos EUA e que seja neste país que mais grupos de extrema-direita existem com mais influência sobre grupos similares noutras partes do mundo.

 

O poder cru e a democracia

A prevalência e a maior visibilidade do poder cru sobre o poder cozido – o crescente apelo à eliminação do inimigo interno e a hiper-discrepância entre princípios e práticas – representam um decisivo desafio para a democracia.

A democracia liberal foi sempre uma das expressões fundamentais do poder cozido nas sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais.

  • Foi por isso que a democracia liberal se reduziu ao espaço público,
  • deixando todos os outros espaços de relações sociais, tais como a família, a comunidade, a empresa, o mercado e as relações internacionais,
  • entregues ao poder mais ou menos despótico do mais forte a que chamei fascismo social.

Daí a minha conclusão de que,

  • enquanto existirem capitalismo, colonialismo e patriarcado,
  • estaremos condenados a viver em sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas.

Atente-se, porém, que, apesar de limitada, a democracia liberal não é uma ilusão.

Sobretudo nos últimos cem anos, a existência de democracia no espaço político possibilitou

  • a adoção de políticas públicas de proteção social (saúde, educação, previdência pública) e direitos trabalhistas, sociais, e culturais
  • que se traduziram em conquistas importantes e em melhorias de vida concretas para as classes populares e grupos sociais sujeitos à dominação capitalista, racista e sexista.

Por outras palavras, no seu melhor, a democracia liberal tem permitido diminuir a brutalidade do poder cru do fascismo social.

 

A prevalência atual do poder cru traz consigo um péssimo presságio e um enorme desafio para a democracia liberal.

Na raiz do poder cru contemporâneo

  • estão o neoliberalismo e a extrema-direita,
  • uma mistura tóxica que está a atingir o âmago da democracia liberal, os direitos cívicos e políticos,
  • depois de ter reduzido ao mínimo a proteção social e os direitos sociais.

É um processo de destruição da democracia, por vezes lento por vezes rápido, que vai injetando componentes e lógicas ditatoriais na prática concreta dos regimes democráticos.

Um novo tipo de regime político está a emergir, um regime híbrido que combina

  • discursos e práticas ditatoriais (apologia da violência, criação caótica e oportunista de inimigos, insulto impune dos órgãos de soberania eleitos, desobediência ativa de decisões judiciais, apelo à intervenção golpista das forças armadas)
  • com práticas democráticas.

Um monstro? Uma coisa é certa: a democracia liberal não é a democracia real, mas é uma condição necessária (ainda que não suficiente)

Fonte: https://outraspalavras.net/direita-assanhada/a-perigosa-emergencia-dosregimes-hibridos/

quinta-feira, 27 de maio de 2021

TRIBUTO A PAULO FREIRE


TEXTO: PROFESSOR LUCIANO MATIAS 





Paulo Freire, patrono da Educação do Brasil e do Maranhão,tem influência fundamental  na forma de ensinar e aprender no mundo todo.  Formado em Direito e um educador por natureza, Paulo Freire sempre concebeu o ser humano como um eterno aprendiz.

Paulo Freire é uma figura dialógica, tinha paixão pelo questionamento.Toda a sua obra parte dos oprimidos e excluídos da sociedade. Sua forma de educar parte de uma educação libertadora.

Para ele, o espaço da educação é o próprio mundo. Na própria sala de aula a forma de organização deve mudar. A figura do professor como centro e o aluno como figura periférica não cabe na sociedade atual. Paulo Freire propõe a organização em círculo para inserir o professor e o aluno dentro de uma  mesma perspectiva.

Paulo Freire prioriza o oprimido. Põe o sujeito excluído como protagonista. Coloca os mais pobres , o trabalhador  no centro do processo educacional.

Desenvolve a pedagogia para os oprimidos, buscando que o próprio sujeito oprimido tome consciência de seu lugar histórico; desenvolve a pedagogia da autonomia, onde o educando parte da sua própria história de vida para aprender e decide o que é necessário aprender em sua vida; desenvolve uma pedagogia da esperança, pois o homem sem esperança já morreu,como ele afirmava.

Paulo Freire era um sonhador, toda a obra dele é uma utopia, mas sempre com o pé no chão. O sujeito da proposta dele sempre está relacionado com a condição do trabalhador e com os excluídos da sociedade.  

Apesar do sujeito principal do seu método ser o jovem e o adulto, que não tiveram oportunidade no ensino regular, no tempo certo,inseridos no mercado de trabalho,geralmente com responsabilidade de família e de trabalho, a proposta dele é aplicável em cada nível e modalidade da educação.

Para Freire, o professor deve ser mediador da aprendizagem. A educação para Paulo Freire deve ter qualidade social , que significa levar a pessoa a saber pensar e agir,sobretudo a lutar por seus direitos.

Nos tempos difíceis que estamos vivendo, de desmonte da educação, por parte do Governo Federal, os educadores devem refletir sobre a vida e obra de Paulo Freire . E, assim, participar do processo de resistência educadora e dos educadores. Assim também estaremos participando e contribuindo da pedagogia da indignação, elemento primordial de quem não perdeu a esperança de dias melhores.

Se Paulo Freire tivesse entre nós, ele denunciaria tudo o que está acontecendo contra a raça humana e anunciaria a luta por paz, como um cristão fervoroso que era.

Vamos "esperançar" como Paulo Freire sempre afirmava, com fé em dias melhores e em uma educação transformadora.