quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Por que os obscurantistas não querem a Filosofia no Ensino Médio?

Filosofia x obscurantismo 
Ocupação no Rio de Janeiro contra a reforma do Ensino Médio
Tratando especificamente da Filosofia, ela opera como uma porta para a cultura do passado e para a reflexão sobre questões decisivas de nossa própria época.
Envolve a dignidade da concepção de uma existência refletida. Sócrates já dizia que “uma vida sem reflexão, sem exame, não vale a pena ser vivida”.
Cabe ressaltar ainda que, até poucos séculos, estava reunido no que se chamava então de Filosofia um conjunto extraordinário de problemas que abarcavam, por exemplo, conhecimentos da Ciência, das Artes e da Teologia.
Assim, em grande medida, a história da filosofia é também a história desses saberes e dos problemas que lhe são constitutivos.
Além disso, conhecimentos de ética, lógica, argumentação, política, estética, filosofia da religião, filosofia da ciência etc., são certamente indispensáveis para a compreensão refletida da própria posição no mundo, que abre possibilidade para projetos pessoais e profissionais criativos e emancipados, decisivos para a inserção esclarecida na vida social e na comunidade política.
Ademais disso, a disciplina Filosofia tem sido bem sucedida em seus incontáveis benefícios no que diz respeito ao aprimoramento da capacidade de argumentação, de raciocínio, de escrita, de reflexão e de crítica.
A oposição ao ensino das disciplinas de Filosofia e de Sociologia parece possuir uma motivação claramente obscurantista, para me expressar em um oximoro.
Trata-se de atender os movimentos políticos que identificam, por ignorância ou maledicência, o ensino dessas disciplinas com doutrinação político-partidária, desconsiderando a pluralidade das respectivas áreas, como se pode constatar na diversidade de temas, problemas e autores abordados nos encontros nacionais de pesquisa nessas áreas.
Esses movimentos advogam uma seletividade no ensino, com exclusão de determinados conteúdos, de modo que acabam por advogar pela conversão da educação em doutrinação.
Doutrinar é restringir a perspectiva, é adestrar, em vez de enriquecer a imaginação e ampliar a compreensão, o que pressupõe considerar o número mais amplo possível de pontos de vista.
Dada a fragilidade dos argumentos em favor da MP 746, agora convertida em lei, e dadas as medidas tomadas pelo atual governo na área de educação, cabe perguntar se o que está em jogo não é antes o acesso à universidade pública pelos estudantes oriundos da escola pública.
Toda a fala em torno da reforma deixa entrever o antigo projeto de conservar o Ensino Médio como teto da formação dos jovens pobres, de quem se espera no máximo a formação técnica especializada e no mínimo o domínio de Português e de Matemática necessário ao exercício de sua atividade profissional subalterna.
Está em jogo o extermínio do princípio liberal da igualdade de oportunidades e da recompensa pelo esforço e pelo mérito, ou ainda daquilo a que se refere Michel Foucault quando trata do poder sobre a vida centrado no corpo: “no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos”.
O projeto consiste em formar pessoas úteis e dóceis, ou em formar até certo ponto e apenas em certas áreas. Assim, dentre as habilidades e competências esperadas dos jovens, não são admitidos saberes que coloquem em primeiro plano análise, reflexão, crítica e imaginação.
É o caso de continuar suspeitando de que somos e sempre fomos muito mais coloniais que liberais. Temos de, como disse, começar a suspeitar de que na reforma do ensino médio o que está em jogo, com a precarização do ensino público, é o acesso à universidade pelos egressos da escola pública – e a recondução da universidade a sua tarefa histórica de legitimar as posições sociais previamente determinadas pelas respectivas condições econômicas.
É o caso de suspeitar que os defensores desse projeto obscurantista e colonial têm realmente boas razões para se opor ao estudo da Filosofia e da Sociologia.
* Adriano Correia é professor da Faculdade de Filosofia da UFG e presidente da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof)

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