Paradoxos da candidatura Lula (I)
por Aldo Fornazieri
No dia seguinte à sua condenação, em pronunciamento à imprensa e a militantes, Lula fez um pedido formal ao PT, reivindicando o direito de ser candidato à presidente da República em 2018. Esta petição o colocou no centro de vários paradoxos, com destaque para dois. O primeiro é de ordem jurídico-política e o segundo é de ordem política. Examine-se aqui o primeiro. O paradoxo de ordem jurídico-política se constitui pelo fato de que Lula expressou de forma manifesta a vontade de ser candidato, o que o PT não lhe negará, lidera as pesquisas de intenção de voto e, ao mesmo tempo, corre o risco e sofre uma ameaça de interdição judicial de sua candidatura. Ou seja: pela manifestação de vontades e de intenções de Lula e do PT estamos diante de uma candidatura certa, mas, potencialmente, os desdobramentos judiciais a colocam no âmbito de uma incerteza.
Hoje poucos dividam que o ato final do golpe, ao menos para uma parcela dos golpistas, consistia em interditar a candidatura de Lula. Mas o bloco que apoiou a deposição de Dilma cindiu-se e muitos dos que estavam nele manifestam a convicção de que a condenação de Lula é um ato puramente político e que o juiz Moro eximiu-se de apresentar provas na condenação. Certamente, os historiadores do futuro, distanciados do calor dos acontecimentos, terão muito a pesquisar e a dizer sobre esta crise brasileira. Mas, dada a velocidade dos acontecimentos, e a elucidação, o deslindamento acelerado de que vêm carregados, permitiram que o tribunal da história pronunciasse já, agora, duas sentenças: 1) foi golpe; 2) os procuradores da Lava Jato e o juiz Moro se meteram numa empreitada persecutória e parcial contra Lula.
E na medida em que muitos adversários e inimigos de Lula passam a admitir que ele está sendo condenado sem provas, torna-se uma tarefa difícil entender as atitudes dos procuradores e do juiz Moro, pois, se elas têm uma investidura política, é forçoso reconhecer que elas (as atitudes) vão para além da política e resvalam para o terreno pessoal, da personalidade e do caráter, particularmente do procurador Deltan Dallagnol e do juiz Moro.
Várias hipóteses podem ser cogitadas para tentar explicá-los. Reportagens de diversas mídias sugerem que eles seriam movidos pela pureza de um moralismo. Mas outras matérias indicam que este moralismo é oco, farisaico. Uma das hipóteses sugere que quando no auge de sua popularidade, no momento das grandes manifestações pelo impeachment, eles se atribuíram uma grandeza que não têm e nunca teriam, imantando-se com um verniz dourado do heroismo que o tempo se encarregaria de mofar. Não é um atributo ou prerrogativa de procuradores e juízes almejar a grandeza e o heroísmo. A supervalorização de si mesmos não tinha uma correspondência nas capacidades e nos saberes jurídicos que ambos possuíam: nenhum dos dois é autor de uma teoria inovadora ou de grande compêndio de conhecimento jurídico, como foi demonstrado por juristas e especialistas que analisaram suas atitudes, suas decisões e sua formação. Quando uma pessoa de mediano conhecimento quer se mostrar muito superior do que realmente é, resvala, inapelavelmente, para a vaidade e para a arrogância. Dallagnol é um vaidoso e arrogante explícito, que busca vorazmente o exibicionismo. O juiz Moro é um vaidoso e arrogante contido, que se compraz consigo mesmo e com a ideia de grandeza que faz de si.
Estes descaminhos pessoais, provocaram decisões desastradas da dupla. O exibicionismo de Dallagnol chegou ao ápice no momento do PowerPoint e, para mostrar uma ilustração que não tem, fundamentou a denúncia contra Lula, não em fatos, mas em duas teorias bastante estranhas ao direito, tão bem desmistificadas pelo jurista Lenio Luis Streck, que as classificou de exóticas. Trata-se do "probabilismo, na vertente do bayesianismo, e o explanacionismo". Ou seja, trata-se do exibicionismo elevado à condição do ridículo.
O juiz Moro, na sua imantação horóico-santificada, condenou Lula, não com base na denúncia, pois esta era vazia, mas com base na vontade de condenar. Vários juristas mostraram que não há nenhuma ligação entre a sentença condenatória e a denúncia, o que configura uma condenação sem provas. A hipótese mais provável é que Moro caiu numa armadilha da defesa de Lula. Esta partiu do pressuposto de que o juiz o condenaria. Assim, adotou como estratégia de defesa a confrontação com o próprio juiz, em atos deliberados de provocação e escaramuças públicas.
Uma condenação movida a ódio
Moro cometeu o erro mais elementar que nenhum juiz e nenhum líder podem cometer. Agiu, não com a lei, mas movido pela raiva, pela ideia de se vingar das afrontas públicas promovidas pela defesa e pelo ódio a Lula. As ações motivadas pela raiva revelam frustração, uma atitude da impotência infantil, erro que jamais é cometido por aqueles que exercem realmente o poder. As reações emocionais, nos jogos estratégicos, nos jogos de poder - era coisa já sabida pelos líderes prudentes do mundo antigo - são contraproducentes e revelam o desequilíbrio dos seus agentes.
Na imagem grandiosa que construiu de si mesmo e no narcisismo de sua autocontemplação, Moro quis mostrar-se grande entre aqueles que ele considera grandes: Aécio Neves, Michel Temer, João Doria etc. Compareceu em eventos, sorridente e feliz, a abraçar aquele, a apertar a mão deste, exibindo-se com os novos donos do poder, todos mal-cheirosos, o que denota a imprudência desbragada do juiz. Comparando-o ao juiz italiano anti-máfia, Paolo Borsellino, o jurista Walter Maierovitch afirma que este "jamais deu ouvidos a adversários e detratores. Nem abraçou políticos poderosos ou decadentes. Ou seja, tipos como Aécios da vida".
Movido pelo ódio e pela vontade de destruir, de anular Lula, Moro o comparou descabidamente com Cunha. As justificativas de suas sentenças tornaram-se um emaranhado de confusões, que revelam o monumental despreparo para comandar o julgamento de um caso tão especial e delicado como é o da Lava Jato. Moro e Dallagnol, cada um a seu modo, também deram sua contribuição para o agravamento da crise das nossas instituições, recorrentemente colapsadas por aqueles que as deveriam defender. Deputados e senadores destruíram o Congresso Nacional. Temer destruiu a instituição da Presidência da República e o Brasil. Juízes e procuradores, incluindo magistrados do STF, destruíram o Judiciário e o Ministério Público.
É difícil prever o que fará o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, a quem caberá julgar Lula em segunda instância. Mas duas coisas parecem certas: 1) nesta instância não é prudente que a defesa de Lula utilize a tática da confrontação e da provocação. Mesmo que não confie, o recomendável será dizer que confia na Justiça; 2) A candidatura Lula não será salva só nos tribunais.
Se Lula e o PT quiserem viabilizá-la, terão que salvá-la nas ruas e em movimentos da sociedade civil. Terão que levantar o povo para salvá-la. Isto porque o Brasil vive um daqueles momentos em que os agentes públicos com poder de decisão se insularam, pairam acima da sociedade, das leis e da Constituição. Decidem a partir de seus interesses e de suas vontades; de suas raivas e de seus ódios, de suas vaidades e de suas arrogâncias, dos seus orgulhos e de suas presunções. Somente o povo, comandado por líderes prudentes, poderá retirar o Brasil desta loucura destrutiva em que o país está mergulhado para dar-lhe algum sentido de futuro promissor e esperançoso.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política
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