terça-feira, 7 de novembro de 2017

100 ANOS DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA RUSSA

#100AnosDaRevolução | Um sonho de outubro

#100AnosDaRevolução | Um sonho de outubro
Por Gustavo Souto de Noronha – Economista do Incra e colunista do Brasil Debate
“Nesse último período, em que lutas finais decisivas são iminentes no mundo inteiro, o problema mais importante do socialismo, a questão candente da atualidade era, e é, não esta ou aquela questão de detalhe da tática, e sim a capacidade de ação do proletariado, a energia revolucionária das massas, a vontade do socialismo de chegar ao poder. Nesse sentido, Lenin, Trotsky e seus amigos foram os primeiros a dar o exemplo ao proletariado mundial, e até agora continuam sendo os únicos que, como Hutten, podem exclamar: ‘eu ousei!’.” (Rosa de Luxemburgo)
Em outubro de 1917, pelo calendário juliano, ou novembro, pelo calendário gregoriano, os bolcheviques iniciaram o que John Reed chamou de 10 dias que abalaram o mundo, abalos que são sentidos até hoje. Se fomos acordados dos sonhos do outubro vermelho com o colapso da União Soviética, a sociedade capitalista que conhecemos hoje foi moldada sob a ameaça daquele socialismo realmente existente. O estado de bem-estar social ou mesmo a macroeconomia keynesiana e suas preocupações com o emprego só foram possíveis e viabilizados num contexto da ameaça do socialismo soviético, uma face humana do capitalismo fazia-se necessária para evitar o comunismo.
O fim da utopia construída desde aquele fatídico outubro trouxe de volta a forma mais violenta do capitalismo de livre mercado, o neoliberalismo. Vivemos tempos difíceis, tempos de crise financeira, que na verdade vem se mostrando uma das mais profundas e resilientes crises econômicas do capitalismo, cujo futuro é imprevisível. Não nos parece possível uma saída da crise sem a reversão do modo de ser da sociedade capitalista, o crescimento econômico como equação linear não resolve. Mas a crise não é apenas econômica, é alimentar, energética e ecológica. É uma crise do atual sistema político e econômico.
Não por outra razão que o dilema socialismo ou barbárie, de fundamental importância para qualquer discussão política desde o século XIX, está mais atual que nunca. Ou melhor, “barbárie se tivermos sorte”, nos atualizou Mészaros. Para evitar a barbárie, que, aliás, já se abate em várias partes do mundo, há que se agregar a defesa do planeta como parte indissociável da luta pelo socialismo. E, retomando Mészaros, “a alternativa socialista não é só apenas possível, mas também necessária para a sobrevivência da Humanidade”.
A construção do socialismo, no entanto, requer que façamos um balanço do que foi aquele outubro. Onde erramos naquela aventura onírica? As análises mais simplórias normalmente simplificam no espantalho do stalinismo as razões para o fracasso de tão inovadora experiência. Entretanto, a forma como foi construída a própria crítica do capitalismo por Lenin talvez ajude a melhor compreender como se deu esse processo. Lenin criticava a partir do ponto de vista do trabalho proletário, entretanto, Marx de forma muita mais radical centrou fogo na crítica ao trabalho proletário.
A sociedade construída pelo leninismo foi uma sociedade de exaltação do trabalho proletário e não a sociedade emancipada dos escritos de Marx. A consequência desta interpretação é que houve uma mudança radical no modo de distribuição, mas ainda sem se alterar o modo de produção. Era uma sociedade mais justa, mas sem ter conseguido se livrar da forma mercadoria e, por consequência, manteve em seu seio uma forma atrofiada de capital.
Não se quer aqui cobrar de Lenin uma interpretação para além do seu próprio tempo, é sabido que os bolcheviques esperavam a revolução (que não veio) na Alemanha e no resto da Europa de forma a consolidar um novo paradigma.
Todavia, ao não romper com o modo de produção do capital, pavimentou-se o caminho para a degeneração que convencionou-se chamar de stalinismo. Atribuía-se a um indivíduo a responsabilidade por todos os erros do socialismo real, não que isso absolva Stalin de seus erros, mas a individualização da culpa em sua figura impede a crítica de fundo aos erros da experiência soviética. A própria forma como foi alicerçada a crítica ao capital pelos bolcheviques explica melhor a derrota do sonho de outubro, uma crítica do ponto de vista do trabalho e não ao trabalho proletário.
Uma das citações mais famosas de Lenin diz que “sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”, é necessário uma nova teoria revolucionária que seja também uma crítica profunda, nos termos de Marx, ao capital para então superá-lo. Gramsci, entretanto nos colocava que hoje temos Estado e sociedade civil bastante organizados e que para essa superação de nada adianta a guerra de movimento das estratégias revolucionárias clássicas. Tornou-se necessário, portanto, resgatar a guerra de posição de forma a cercar e sitiar o Estado burguês com uma contra-hegemonia para construção de um novo tempo. Será preciso superar o capital, o estado burguês e a própria política nos termos que conhecemos. Esta tarefa não será cumprida sem a ousadia de “Lenin, Trotsky e seus amigos” como nos apontou Rosa de Luxemburgo. Que venham outros sonhos de outubro!

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