quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

MORRE O BISPO DOS POBRES

Maior líder da Igreja Católica brasileira, Arns enfrentou militares e defendeu a periferia. Um filme sobre sua vida, que foi muito além das crenças religiosas, será lançado em breve

Brasil |EL PAÍS Brasil -14/12/2016morte de dom paulo


Dom Evaristo Arns na homenagem que recebeu em 24 de outubro deste ano. Fabio Braga Folhapress


Dom Paulo Evaristo Arns morreu nesta quarta-feira, vítima de uma broncopneumonia. O cardeal foi uma das pessoas mais influentes da Igreja Católica e da sociedade brasileiras, conhecido pela contenda de uma vida inteira em defesa dos direitos humanos no país. Dom Evaristo, aos 95 anos completados em setembro, estava internado no Hospital Santa Catarina, em São Paulo, desde 28 de novembro, e hoje foi declarado pelos médicos que sofreu uma falência múltipla de órgãos.
Celebrada em 24 de outubro no Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), às vésperas da morte do jornalista Vladimir Herzog na mão dos militares em 1975, a cerimônia reuniu religiosos, líderes militantes, intelectuais e jornalistas. Foi marcada, sobretudo, por relatos das ações de Arns contra a tortura aplicada pelos militares nos anos 60 e 70 e também por gritos de “fora, Temer”.

João Pedro Stédile, coordenador nacional do Movimento Sem Terra, afirmou que sem ele os movimentos sociais careceriam de guia.
“A maioria dos movimentos que hoje existe, MST, MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], Movimento dos Pequenos Agricultores, Comissão Pastoral da Terra, Cimi [Conselho Indigenista Missionário], nascemos orientados por vossa sabedoria, que pregava: em tempos de ditadura, deus só ajuda quem se organiza. Então fomos nos organizar. Queremos agradecer de coração por tudo que o senhor fez nesses 95 anos, sobretudo porque o senhor ajudou a acabar com a ditadura militar no Brasil”, disse Stédile. Corintiano, o arcebispo também recebeu homenagens, na ocasião, do coletivo Democracia Corinthiana.

Fonte: CNBB
No Brasil, Dom Paulo Evaristo foi bispo e arcebispo de São Paulo entre os anos 60 e 70. Quando assumiu a Arquidiocese de São Paulo, a segunda maior comunidade católica do mundo, em 1970, uma de suas primeiras medidas foi vender o Palácio Pio XII, residência oficial do arcebispo, para financiar terrenos e construir casas na periferia. Em 1972, ele criou a Comissão Brasileira Justiça e Paz, que articulou denúncias contra abusos do regime militar.
Chegou a ser fichado no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 1979. Em 1985, o cardeal criou aPastoral da Infância com o apoio da irmã Zilda Arns, que morreu no Haiti, onde realizava trabalhos humanitários, vítima do forte terremoto que destruiu parte do país em 2010. Arns também foi o fundador, ao lado do pastor presbiteriano Jaime Wright, do projeto Brasil: Nunca Mais, que reuniu documentos oficiais sobre o uso da tortura no Brasil.

Sua história, contada em dois livros lançados pelo jornalista Ricardo de CarvalhoO Cardeal e o Repórter e O Cardeal da Resistência, chegará às telas do cinema com o filme Coragem – As muitas vidas de dom Paulo Evaristo Arns. Dirigido por Carvalho, o documentário – coproduzido pela Globo Filmes e o primeiro a ser feito sobre o arcebispo – retrata sua resistência ao regime militar e está prestes a ser concluído.
Ex-repórter da Folha de S.PauloCarvalho conheceu dom Paulo em 1976 por conta de sua intensa relação com a imprensa. Relata o diretor: “Ele foi, sem dúvida, a mais importante fonte de informações contra o regime militar. Como jornalista que é, dom Paulo não errava uma e tudo que dizia ou denunciava, vinha com provas, relatos… Foi assim quando o pastor Jaime Wright, ligadíssimo a dom Paulo, me passou, em 1978, a conta-gotas, a primeira lista de desaparecidos políticos checadas em diferentes fontes”.

“Mestre inesquecível” e “voz destemida”


A morte de Dom Paulo Evaristo Arns despertou nesta quarta-feira reações de diferentes personalidades.
O teólogo e acadêmico Leonardo Boff, com quem ele conviveu, afirmou que Arns foi seu “mestre inesquecível”. E acrescentou: “Disse um poeta latino-americano ‘morrer é fechar os olhos para ver melhor’. É o que ocorreu com o cardeal Arns. Agora vê Deus face a face”.
Em nota oficial, o presidente Michel Temer afirmou que “o Brasil perde um defensor da democracia e ganha para sempre mais um personagem que deixa lições para serem lembradas eternamente”.
João Doria, prefeito eleito de São Paulo, também falou sobre a perda: “São Paulo e o Brasil perdem um grande ser humano. Dom Paulo nos deu exemplos de tolerância, defesa dos mais humildes, justiça social e amor pelo próximo”.
Já o ex-presidente Lula ressaltou a luta do cardeal contra a violência das várias ditaduras militares na América Latina: “Nossa América perdeu a voz destemida que enfrentou ditaduras truculentas e o braço amigo que abrigou centenas de refugiados que eram perseguidos nos países vizinhos”.
A senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) o definiu como “forte, doce e aguerrido”“Nós, brasileiros, devemos muito à sua coragem, à sua capacidade de enfrentar injustiças e o desrespeito aos direitos humanos”.

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